Óptica


Anne-Catherine Bernes

As propriedades fundamentais dos raios luminosos eram conhecidas qualitativamente desde a Antiguidade: propagação rectilínea, reflexibilidade e refringência. Muito cedo se recorreu ao uso de lentes e espelhos esféricos, e se tirou partido dos fenómenos de dispersão pelo prisma (instrumentos 90 a 96). "No decurso da Renascença assistimos à multiplicação dos gabinetes de Óptica apetrechados com espelhos côncavos, convexos ... com prismas ou com cones de vidro, que permitiam aos visitantes observarem perspectivas surpreendentes, verem surgir um retrato através de um cilindro ou de uma pirâmide em sítios onde a visão directa apenas conseguia distinguir curvas coloridas." (B. Maitte, La Lumière, Paris, Le Seuil, 1981, p. 41). São as anamorfoses ou figuras deformadas das peças 104 a 106.

O século XVII assistiu a uma renovação da Óptica, intimamente ligada ao progresso técnico que se operou no fabrico de instrumentos, lentes, lunetas astronómicas (descritas adiante) e microscópios. Estes últimos, surgidos no começo do século, apenas verão o seu uso expandir-se cerca de cinquenta anos mais tarde, quando veio a impor-se verdadeiramente o interesse das observações realizadas com estes aparelhos. A sua construção era de tipo simples, isto é, de uma só lente, ou de tipo composto, consistindo geralmente de uma objectiva simples e de uma ocular formada por uma lente ocular e por uma lente de campo. Os segundos não eram necessariamente os melhores. Apresentavam aberrações importantes de esfericidade e de dispersão cromática. O sistema óptico dos microscópios não veio a beneficiar de qualquer aperfeiçoamento no decurso do século XVIII. No entanto, os construtores introduziram numerosas modificações e melhoramentos no formato geral, no equipamento e nos acessórios. São exemplo os aperfeiçoamentos efectuados pelo fabricante inglês Edmond Culpeper. Por volta de 1725 ele concebeu o primeiro modelo de microscópio composto (instrumento 98) que foi objecto de fabrico com continuidade. O corpo do instrumento é suportado por um tripé que repousa sobre uma plataforma circular com uma abertura circular central. Esta plataforma apoia-se em três pés fixos num suporte de madeira. No centro do suporte, sobre o eixo do aparelho, encontra-se um pequeno espelho côncavo que ilumina por baixo os objectos transparentes colocados sobre uma lâmina de vidro em frente da abertura da platina.
A elevação desta sobre um segundo tripé constitui um melhoramento perceptível porque permite iluminar comodamente os objectos por transparência com o auxílio do espelho reflector.

A nível teórico, assiste-se à constituição da Óptica Matemática. Johann Kepler (1571-1630) explica correctamente o fenómeno da visão e enumera os princípios que presidem à propagação rectilínea da luz. René Descartes (1596-1650) publica a lei da refracção (quando a luz passa entre dois meios dados, é constante a razão entre o seno do ângulo de incidência e o seno do ângulo de refracção). Graças a Ole Roemer (1644-1710) ficou-se a saber que a luz se não propaga instantaneamente, mas que a sua velocidade é finita. Erasme Bartholin (1616-1680) descobriu o fenómeno da dupla refracção no espato de Islândia, Francesco-Maria Grimaldi (1618-1663) pôs em evidência os fenómenos da difracção, Robert Hooke (1635-1702) descreveu as cores das lâminas delgadas, enquanto Isaac Newton (1642-1727) se debruçou sobre os fenómenos da dispersão.

Reflecção, refracção, birrefringência do espato de Islândia, dispersão, tais são os fenómenos de que as teorias sobre a natureza da luz deverão dar conta. Na charneira dos séculos XVII e XVIII, duas entre elas desenvolver-se-ão e confrontar-se-ão: a teoria da emissão de Newton e a teoria ondulatória de Huygens (instrumento 89).

A teoria de Newton apoia-se nas experiências de dispersão de cores por um prisma. Tendo feito um orifício numa porta de janela dum quarto previamente obscurecido, colocou um prisma triangular de vidro em frente da abertura de modo que a luz que a atravessava fosse refractada sobre a parede oposta. Observou uma imagem espalhada, vermelha numa extremidade, violeta na outra, amarela, verde e azul na região intermédia: ângulos de refracção diferentes correspondiam a cores diferentes. A fim de determinar se estas cores faziam parte da luz ou se eram produzidas pela superfície refractante (como afirmara Descartes), Newton realizou uma segunda experiência, que denominou "experiência crucial". Colocando um diafragma à saída do primeiro prisma isolou um feixe colorido que era refractado em seguida por outro prisma. Sobre um alvo colocado à saída do segundo prisma, observou, não uma imagem de todas as cores (o que teria confirmado as ideias de Descartes), mas uma imagem monocromática, sempre da cor do feixe colorido. Deduziu daí que as cores existiam na luz branca e que o efeito do prisma consistia apenas em separá-las.

Newton concebia do seguinte modo a natureza da luz (teoria estreitamente ligada à sua Mecânica): ela é constituída por corpúsculos de massas diferentes emitidos por uma fonte, os quais se propagam no vazio com uma velocidade enorme. Quando alcançam a superfície de um meio, estas partículas sofrem a acção duma força refringente, por elas excitada, a qual é perpendicular à superfície e proporcional à densidade do corpo atingido e actua a curta distância deste. Esta força, desviando a trajectória dos corpúsculos, é a causa da reflexão, refracção, dispersão e daquilo a que Grimaldi chamou difracção.

De acordo com a sua teoria, Newton afirmava: 1) que a velocidade da luz é proporcional ao índice de refracção, sendo, pois, maior no vidro do que na água e maior na água do que no ar; 2) que a dispersão é proporcional à refracção e que não é possível suprimir a aberração cromática dos aparelhos de óptica, microscópios ou telescópios.

Christiaan Huygens (1629-1695) definia a luz como um movimento de matéria situada entre nós e os corpos luminosos. Ela propaga-se por meio de ondas, do mesmo modo que o som. A fim de explicar a teoria das vibrações que a luz do Sol nos faz chegar, Huygens teve de postular que o espaço intersideral está preenchido por éter, matéria muito subtil, suporte de verdadeiros movimentos vibratórios. Deste modo Huygens conseguiu explicar tanto a propagação rectilínea como a reflexão e a refracção. Ao contrá-rio de Newton, supunha que a velocidade da luz é inversamente proporcional ao índice da refracção dos meios atravessados, sendo maior no ar ou no éter do que na água. Explicava também a refracção extraordinária que se produz em certos cristais (como o espato de Islândia de Bartholin) como resultante de uma propagação por ondas elípticas.

É claro que a determinação da velocidade da luz num meio que não o espaço intersideral teria podido, só por si, decidir da vida ou da morte de uma das duas teorias em presença. Ora, esta determinação apenas viria a ser efectuada em 1849 por Léon Foucault (1819-1868) e Hyppolite Fizeau (1819-1896), independentemente um do outro. Ela asseguraria, nessa época, o sucesso da teoria ondulatória, renovada pelos trabalhos de Thomas Young (1773-1829) e de Augustin Fresnel (1788-1827).

Antes desta época, e apesar da realização de objectivas acromáticas por Dollond em 1752, apoiando-se nos trabalhos de Euler (1707-1783), é a teoria da emissão que será comummente lembrada e ensinada, beneficiando das bases do sucesso da Mecânica de Newton.

No fim do século XVIII, o progresso da Química vai abrir à Óptica um novo campo de acção. A câmara escura, recinto fechado onde uma pequena abertura deixa passar os raios luminosos e onde se forma, sobre um alvo, a imagem invertida dos objectos exteriores, era conhecida desde o século XIII. Acrescen-tando-lhe uma lente e um espelho, reorienta-se a imagem: é a câmara clara. Uma e outra foram ampla-mente utilizadas pelos pintores desde a Renascença. A lanterna mágica, cujo presumível inventor foi o padre Athanase Kircher (1602-1680) permitia projectar sobre um alvo imagens desenhadas sobre placas de vidro (instrumento 107), imagens por vezes articuladas. Câmaras escuras, câmaras claras e lanternas mágicas podem ser consideradas os elementos básicos do aparelho fotográfico. Desde o século XVIII vários sábios, entre os quais o francês A.C. Charles (1746-1823) ou o inglês Th. Wedgwood (1730-1795) conseguiram registar imagens sobre papel embebido em sais de prata, nomeadamente nitrato. Mas as imagens continuavam a enegrecer. Foi necessário esperar pelo século XIX e pelos trabalhos de Nicéphore Niepce (1765-1833) e Louis Daguerre (1787-1851) para que a imagem fosse fixada e a fotografia inventada. O procedimento desenvolvido por Daguerre após a morte de Niepce, a quem se tinha associado, foi vendido em 1839 ao estado francês, o que lhe garantiu o sucesso. O daguerrótipo utilizava como suporte uma placa de prata ou de cobre prateado recoberta de iodeto de prata. Depois da exposição na câmara escura, a imagem latente era revelada e fixada por acção de vapores de mercúrio e o excedente de iodeto de prata eliminado por uma solução de hipossulfito de sódio.


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