O Instrumento na História das Ciências


Robert Halleux

Pedi a uma criança: "Desenha-me um sábio". Ela representá-lo-á num laboratório cheio de aparelhos complicados. Em resposta ao mesmo pedido um estudante da Grécia clássica teria desenhado Pitágoras, traçando com o dedo figuras imortais na areia da palestra. Do tensiómetro ao computador pessoal, passando pelo termóstato e pelo conta-rotações, o instrumento científico integra tão bem o tecido da nossa vida que temos dificuldade em imaginar que não foi assim desde sempre. A este respeito, o Gabinete de Coimbra é o resumo de uma longa história e uma espécie de espelho embaciado onde o nosso tempo se adivinha e se questiona.

Questões epistemológicas em primeiro lugar, visto que o instrumento é um traço de união entre experiência e teoria, entre conhecimento puro e conhecimento aplicado. Com ele, a ciência torna-se simultaneamente mais solidária com as aplicações e mais tributária das condições materiais da sua elaboração. O laboratório mais eficaz não é aquele que tem melhores aparelhos?

Questões socioeconómicas em seguida, visto que há um fabricante e um utilizador, um consumo, um mercado, uma indústria. O laboratório melhor equipado não é o mais rico?

Mas, o que é um instrumento científico? Há uma definição célebre de Gerard Turner: "uma ideia feita de latão". Esta definição considera o instrumento como a transposição material e tridimensional de uma ideia científica. Ela oculta a complexidade das relações entre a teoria e a prática: os utensílios (a alavanca, a roldana, a cunha, a roda, mas também a lente, a bússola) tornam-se instrumentos; instrumentos que passam primeiro para a prática industrial e em seguida para a quotidiana.

O vocabulário aqui é esclarecedor: "instrumento" vem do latim instruere "dispor", "equipar", que deu "instruir". Instrumentum é "o mobiliário, o material, a ferramenta". Um escravo é para Catão um instrumentum vocale "utensílio que fala", enquanto a inteligência é para Cícero (século I d. C.) um instrumentum naturae "utensílio natural". Quanto a "utensílio", o seu significado etimológico está muito próximo, pois que ele vem de utensilis "indispensável às nossas necessidades". A palavra grega correspondente, organon, vem de ergon "o trabalho", e contém uma noção de operacionalidade. É assim que ela designa simultaneamente os nossos órgãos e a grande obra lógica de Aristóteles (século IV a. C.), um utensílio para aceder ao conhecimento. O título da exposição na Europália'91 "Os Mecanismos do Génio" associa também duas noções estreitamente ligadas à instrumentação. Mecanismo vem, como máquina, do grego mékhané, que designa "a habilidade, a invenção astuciosa", produzido pela inteligência ardilosa a que os gregos chamavam métis. Quanto ao génio, deve associar-se-lhe ingenium, "as disposições inatas, as qualidades naturais", que deu em português "engenho", quer dizer, o resultado desse talento, e ainda, a partir do século XI, aquele que cons-trói os engenhos, nomeadamente para a guerra, o ingeniator, " o engenheiro".

O instrumento científico encontra-se assim no centro de uma rede complexa de ideias e de práticas, e são os seus usos que definem a sua especificidade.

1. O instrumento permite medir, quer dizer suprir o carácter qualitativo do testemunho dos nossos sentidos. Ele introduz para a grandeza Física uma referência objectiva que permite a comparação e a quantificação.

2. O instrumento permite aumentar a potência dos nossos sentidos e revelar os fenómenos que não poderíamos apreender por nós próprios. É o caso do microscópio ou da luneta astronómica.

3. O instrumento permite fazer "experiências", mas esta noção revela, à partida, uma ambiguidade fun-damental. Experiências para quê? A definição clássica, segundo Claude Bernard, vê na experiência "o facto de provocar, partindo de condições bem determinadas, uma observação tal que o resultado desta observação, que não pode ser previsto à partida, seja adequado para dar a conhecer a natureza ou a lei do fenómeno estudado". O investigador formula uma hipótese e realiza uma experiência para ver se a hipótese é válida. A experiência é, assim, um utensílio de investigação e de descoberta. Quando se repete mais tarde, a experiência é também um meio de ensinar a teoria, um método pedagógico a que se dá grande atenção nos nossos dias. Mas ver-se-á mais adiante que a segunda precedeu a primeira; fizeram-se experiências reais ou supostas para demonstrar a teoria, muito antes de se tomar em conta o seu valor crucial.

Estas funções, justamente distinguidas, podem servir de fio condutor para seguir a história dos instru-mentos no decurso do tempo: da Antiguidade ao século XVI; à revolução científica; ao século das Luzes.

1. Da Antiguidade à Idade Média

Anaxágoras (século V a. C.) dizia: "O homem pensa porque tem mãos". Antes de se tornarem instrumentos científicos, a régua, o esquadro, o compasso, o gnómon eram utensílios para os canteiros; da mesma forma, a cunha, o parafuso, a alavanca, o sarilho, a roda, o cadernal, a roldana eram de uso comum nas artes e ofícios, antes que os sábios lhes formulassem a teoria. Como bem mostrou Bertrand Gille, o esforço dos mecânicos gregos (do III século a. C. ao I século d. C.) consistiu em terem procurado os princípios teóricos que subjaziam ao empirismo dos técnicos.

O título evocador de "Sintaxe mecânica" que dão à sua obra revela o cuidado de reunir num corpo de doutrina coerente e logicamente estruturado a construção dos engenhos de arremesso e de elevação, a geodesia, a arquitectura, os moinhos de vento e os autómatos.

Tem sido frequentemente questionada a ausência de aplicações industriais de autómatos como a eolípila de Héron de Alexandria (século I d. C.) que encontramos em Coimbra. Se os gregos possuíam a máquina a vapor, porque não tiveram a revolução industrial? Porque tinham escravos, como se repete frequentemente? Na realidade, estes aparelhos que não podem produzir fisicamente um trabalho real, têm uma outra finalidade: basta ler os prefácios de Héron ou de Filon (século II a. C.) para nos apercebermos que eles têm um papel de demonstração, isto é, da confirmação sensível subjacente à demonstração lógica. É esta função que se encontrará até ao século XVII. Gérard Simon demonstrou que, se Ptolomeu (século II d. C.) utiliza em óptica a demonstração experimental, ele pára precisamente quando a manipulação vai contradizer a sua teoria. Medição e demonstração estão associadas nos primeiros instrumentos de Astronomia. O aparelho de Anticítero (século II a. C.) parece ser um modelo reduzido de planetário. O astrolábio, produzido pelos gregos no fim da Antiguidade, permite medir simultaneamente a distância angular dos corpos celestes e explicar um certo número de problemas matemáticos.

A Idade Média vai prosseguir e amplificar esta dupla utilização da instrumentação. Os construtores de catedrais conservam os instrumentos dos agrimensores romanos e a sua perícia reduz-se a uma ferra-menta polivalente, como o esquadro de bordos não paralelos que figura ainda em muitos dos seus epitáfios. Nas escolas, o ábaco e o ritmómetro completam-se, desde o século XIX, com o astrolábio enriquecido por todos os aperfeiçoamentos árabes que farão dele uma "jóia matemática", aperfeiçoado sem cessar até aos instrumentos da colecção do Observatório Astronómico de Coimbra. A introdução no século XII do astrolábio ptolemaico vai dar origem a uma impressionante série de aparelhos: astrolábio, quadrante, relojoaria planetária. Neste contexto o relógio mecânico de pesos generaliza-se no século XII. Em 1320, o de Richard de Wallingford (c. 1292-1336) representa o percurso do Sol e da Lua, as estrelas fixas e as marés. O mais célebre, instalado em Pádua por Giovanni de Dondi (1318-1389) e recentemente reconstruído sob a direcção de Emmanuel Poulle e de Jean-Pierre Verdet, compreendia, nomeadamente, um relógio astronómico completo com o movimento dos planetas e mesmo um calendário das festas fixas e móveis. Depois dos trabalhos de Jacques le Goff, conhece-se a revolução social que o relógio mecânico suscitou. Se o relógio se difunde pelas regiões industriais do Centro e do Norte de Itália e do Noroeste da Europa, é, em primeiro lugar, para dividir em horas a jornada de trabalho dos operários tecelões. O relógio comunal marca, doravante, o ritmo de um outro tempo, o tempo dos mercadores.

Paralelamente à tradição científica, os engenheiros militares - os ingeniatores - continuam a descrever e a registar os mecanismos cuja teoria procuram, a exemplo dos alexandrinos. É o caso da bússola, utensílio de viajante, cuja teoria foi forjada, pouco a pouco, por Pierre de Maricourt (segunda metade do século XIII); é o caso das lentes, usadas desde a Antiguidade para acender o lume, que suscitam o espanto de Roger Bacon (c. 1220-1292). É o caso dos astuciosos mecanismos de Villard de Honques. Nas fronteiras da ciência, a Alquimia é instrumental desde as suas origens gregas. O laboratório alquímico do século XIV, descoberto no Louvre e publicado por Isabelle Rouaze, confirma o testemunho dos manuscritos e revela um alto grau de sofisticação. Mas o seu carácter manual, "mecânico", impedirá a Alquimia de se integrar nas artes "liberais" da universidade medieval.

Todavia, aparelhos de Alquimia e gadgets de engenheiros não servem para a pesquisa. O resultado que produzem é um experimentum, isto é, um facto em bruto que tira a sua legitimidade de si próprio, que não pode confirmar uma teoria mas que não a infirma nunca. Na realidade, este papel desvalorizado do método experimental prolongar-se-á muito para além da revolução científica. Para um doutor da Idade Média e do Renascimento, pouco importa que uma experiência seja realmente efectuada, relatada por outrem ou simplesmente imaginada. Muitas experiências da revolução científica são, mesmo em Galileu (1564-1642), puras experiências de pensamento. Na pedagogia das ciências do século XVI ao século XX, distinguir-se-á durante muito tempo o professor que expõe a doutrina do demonstrador que, depois do curso, confirma a teoria através da experiência.

2. Experiências e medidas na Revolução Científica

A maior parte dos instrumentos do Renascimento não assinalam uma ruptura com os séculos anteriores, quer na concepção técnica quer nos materiais. Leonardo da Vinci é o herdeiro de uma longa linhagem de engenheiros medievais. Os construtores de astrolábios e de quadrantes solares, de globos terrestres e celestes, rivalizam em elegância e em engenho. De Itália, a sua perícia difunde-se na Alemanha e na Holanda.

A obra dos mecânicos gregos, popularizada pelas traduções de Frederico Commandino (1509-1575), vai dar origem aos livros chamados "Teatro de máquinas". O carácter espectacular da instrumentação aparece aí como noutros teatros. O teatrum chimicum para a Alquimia e os teatros de Anatomia das Faculda-des de Medicina, onde Diafoirus oferece a dissecação à sua amante, como outros oferecem a comédia. Os príncipes têm um laboratório de alquimia e instrumentos acerca dos quais podemos interrogar-nos se terão servido outros fins que não a ostentação.

O que irá mudar com a revolução científica é a atitude face ao instrumento ou à experiência, quer se trate de medir, de observar ou de pôr à prova as teorias.

Galileu afirmava que a natureza está escrita em linguagem matemática. Passava-se do mundo do mais ou menos ao universo da precisão. Este progresso assinala-se pela medida do espaço e do tempo com o relógio de pêndulo de Christian Huygens (1629-1695) e os seus dois arcos cicloidais. Mas quantifi- car-se-ão também as velhas quantidades elementares da Escola, o quente, o frio, o seco e o húmido, por meio do termómetro e do barómetro.

Com a luneta de Galileu e o microscópio de Leeuwenhoek (1632-1723) são as capacidades de observação do próprio homem que se vão achar acrescidas. Os primeiros resultados, assaz modestos, são desproporcionados em relação às esperanças que os novos aparelhos faziam conceber. Uma das razões do sucesso da filosofia atomista no século XVII não é a presunção desrazoável de que com melhores aparelhos em breve se poderiam ver "os pequenos corpos"? Quanto à máquina de calcular de Pascal (1623-1662), ela faz a antecipação audaciosa de que a capacidade de raciocinar do homem pode, também ela, multiplicar-se por meios artificiais. O instrumento torna-se, na expressão de Enrico Bellone, numa máquina de pensar.

Mas a mudança fundamental está na atitude face à experiência. Pascal, confrontando-se com os Antigos, afirma que a estes lhes faltou mais "a ventura da experiência do que a força do raciocínio". Huygens, ao traçar o programa de Física da Academia das Ciências, afirma que a história natural "consiste em experiências e em observações e é o único meio de aceder ao conhecimento das causas de tudo o que se vê na natureza". O instrumento permite reproduzir um fenómeno físico em condições seleccionadas, com um mínimo de interferências. O método aperfeiçoa-se também. Vê-se emergir aqui a noção tão contestada de experiência crucial, isto é, concebida para decidir sobre uma hipótese; é o caso do vazio. Para resolver esta aporia filosófica, uma longa série de instrumentos e de experiências conduz de Evangelista Torricelli (1608-1647) a Robert Boyle (1627-1691): tubos barométricos, hemisférios de Magdeburgo, bombas de vazio, outros tantos instrumentos representados em Coimbra.

Disto resultarão sobretudo interacções fortes entre ciência e tecnologia. Diz-se que Galileu possuía as melhores lentes; Huygens polia ele próprio as dele. As interferências são mais fortes ainda no caso da química mecanista que emerge da alquimia e da iatroquímica para se aproximar da indústria. A química foi sempre manual e suja. Não se pratica num gabinete, mas num laboratório, isto é, um lugar onde se trabalha (laborare). Nos cursos de química no Jardin du Roi e nos manuais, a prática do laboratório desliga-se aos poucos do ensino teórico para visar realizações imediatas.

Todo o contexto social das práticas científicas se vai encontrar também mudado. A investigação torna-se colectiva. Descartes (1596-1650) fazia notar já a necessidade de socializar a ciência experimental e a dificuldade de utilizar a experiência de outros. Daí resultarão novas estruturas para a investigação, as academias; novos modos de permuta, as correspondências, e depois as revistas científicas. Mais ainda, as academias vão funcionar, por ordem do Príncipe, como verdadeiros gabinetes de estudo que aplicam o método experimental ao progresso das artes e ofícios, quer avaliando as invenções submetidas à sua apreciação, quer realizando verdadeiras missões de investigação e de peritagem. Aqui é típica a determinação das longitudes marítimas.

3. O Século XVIII e o nascimento de uma tecnociência

O Gabinete de Coimbra situa-se, por conseguinte, no desembocar de uma longa evolução na arte de provar, de medir, de descobrir. Ele é também o microcosmo de uma época. O gabinete de Física é típico do século XVIII. Ele foi precedido nas cortes principescas pela Câmara do Tesouro, pela colecção de obras de arte e pelo gabinete de curiosidades reunindo antiguidades, vestígios arqueológicos, moedas e instrumentos, os quais conquistaram progressivamente a sua autonomia.

Alguns gabinetes principescos são célebres, o de Carlos de Lorena, o de Leopoldo I da Toscana, mas muitos nobres da província constituem também o seu gabinete e fazem experiências. Assim, o museu do palácio Gouin, em Tours, possui um gabinete de Física e de Química cujo núcleo provém do castelo de Chenonceau, onde Charles-Louis Dupin, que lutava por um lugar na Academia, tinha contratado Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) para o ajudar nas suas experiências. Recordaremos a propósito Candide e as lições particulares de Física Experimental que o doutor Pangloss dava às criadas de quarto da bela Cunegundes. A filosofia entra no toucador.

Há gabinetes nas instituições de investigação como as academias ou as sociedades científicas de província, nos colégios dos jesuítas, dos oratorianos, dos beneditinos onde a filosofia natural se ensina doravante numa base experimental (physica nitiur experimentis). O Collège Royal, o Collège de Navarre têm centenas de aparelhos. Mesmo os pequenos colégios como Avallon e Epinal possuem máquinas pneumáticas, espelhos côncavos, rodas dentadas de madeira, modelos mecânicos. Nem sempre se passa o mesmo nas universidades, devendo destacar-se Coimbra e Lovaina.

Ao comparar os inventários destes gabinetes, os conteúdos e a ordenação são muito semelhantes de uma instituição para outra e correspondem aos capítulos tradicionais dos cursos: architectonica, mechanica, geometrica, hydraulica, electrica, etc. De facto, eles materializam as aquisições da Física newtoniana e os seus divulgadores holandeses e franceses. O gabinete é o lugar por excelência onde se pode, como dizia Fontennelle (1657-1757), "conduzir a filosofia a um ponto em que não seja nem demasiado seca nem demasiado frívola para os sábios". Já o cartesiano Jacques Rohault (1620-1675) introduzia a experiência nos seus cursos de Física e Pierre Polinière (1671-1734) fazia sessões públicas de demonstração. Mas foi observado que o sucesso do newtonianismo repousava, em boa parte, na qualidade e no aspecto espectacular da sua demonstração experimental.

É, de facto, aos grandes experimentadores newtonianos que fazem referência as notícias dos antigos catálogos de Coimbra e, em primeiro lugar, ao huguenote Jean-Théophile Desaguliers (1683-1744) que foi leitor de Filosofia Experimental em Oxford até 1713, depois membro da Royal Society, onde repetia as experiências de Newton. Muito hábil em mecânica prática e excelente pedagogo, Desaguliers publicou um Course of Experimental Philosophy (1734) que teve grande influência. Mas sobretudo, Desaguliers inspirou os grandes holandeses Willem Jacob 's Gravesande (1688-1742) e Peter van Musschenbroek (1692--1761), que constituíram belos exemplos de fertilização cruzada entre saber teórico e perícia artesanal.

Estes experimentadores newtonianos fornecem a maioria das referências do catálogo de Coimbra. O mais influente é 's Gravesande. Uma estadia em Inglaterrra pô-lo em contacto com Desaguliers e a Royal Society. Professor em Leiden, não cessa de remodelar o seu curso de Física até aos Physices Elementa de 1742. Em Leiden, 's Gravesande esteve ligado a uma família de fundidores de latão, os Musschenbroek. Um dos filhos, Jan, tornou-se o construtor encarregado dos seus instrumentos. O outro, Peter, médico formado pelo ilustre Boerhaave, consagrou-se aos estudos físicos. Os seus cursos em Duisbourg, em Utrecht, em Leiden, o seu célebre discurso reitoral de 1730 sobre a maneira de fazer experiências em Física afirmam uma filosofia doravante segura de si própria, que a Introductio ad philosophiam naturalem, póstuma (1762), vai difundir na Europa. A sua influência encontra um precioso auxiliar no abade Jean-Antoine de Nollet (1700-1770), que lança em França a moda da Física Experimental e dos seus gabinetes. Não somente as suas Leçons de Physique Experimentale serviram constantemente de vade mecum, mas também Nollet fabricou instrumentos, formou operários e vendeu gabinetes prontos a utilizar.

O demonstrador de Nollet, mais tarde seu sucessor no Collège Louis le Grand, será Joseph-Aignan Sigaud de la Fond (1730-1810), um incansável divulgador, tradutor de Musschenbroek. Durante a Revolução Sigaud acabará professor na École Centrale de Bourges e mais tarde professor no Lycée Imperial.

De facto, a obra educativa da Revolução Francesa, que tem tantas analogias com a reforma do Marquês de Pombal, multiplicará os gabinetes de Física nas recém-criadas escolas centrais. A República irá fundar o primeiro museu técnico, o Conservatório das Artes e Ofícios, destinado a preservar "o original dos instrumentos ou máquinas inventadas ou aperfeiçoadas". O progresso das técnicas e, como corolário, a substituição dos instrumentos obsoletos, não tardará a acrescentar-lhe uma dimensão histórica. Esta ambivalência é inerente à natureza do museu técnico.

Paralelamente à sua difusão no ensino e na investigação, os instrumentos científicos invadem pouco a pouco a vida corrente, quer se trate de medida, de geodesia, de navegação ou de meteorologia. A medida do grau de arco de meridiano por triangulação, efectuada pela Academia das Ciências no segundo quartel do século XVIII, tinha por finalidade primeira determinar a forma da Terra e optar entre Descartes e Newton. Mas ela vai fornecer a base objectiva à reforma dos pesos e medidas pela República. É a revolução do metro, décima milionésima parte do quarto do meridiano.

O mesmo é dizer que a indústria dos instrumentos científicos se liberta do rame-rame artesanal e corporativo para passar ao estádio industrial. O Sul da Alemanha tinha a proeminência no século XIX, a Holanda no século XVII; no século XVIII é a vez de Londres, o primeiro mercado de instrumentos científicos. Os nomes de Edward Nairne (1726-1820), de George Adams (c. 1704-1773), de George Atwood (1726-1802), de Jesse Ramsden (1735-1800), dos Dollond, encontram-se em toda a Europa sobre instrumentos de alta qualidade. A estética sóbria destes funda-se unicamente na nobreza dos materiais: vidro, latão, nogueira, acaju. Inúmeras oficinas mantêm relações estreitas com os cientistas. Encontramo-nos na origem das grandes casas de construtores de instrumentos, algumas das quais (os Breithaupt na Alemanha, os Breguet em França) existem ainda hoje. Veremos os mecânicos de precisão enviar os seus filhos às grandes escolas e os professores universitários associarem-se à indústria. Assim se vai desenvolver esta união do fundamental e do aplicado, que caracteriza a nossa época moderna e que em 1902 o académico Alfred Cornu exaltava no prefácio do catálogo do sindicato dos fabricantes dos instrumentos de precisão: "Será ocasião de proclamar e de fortalecer esta união íntima entre o Construtor e o Sábio, entre a oficina e o laboratório, união tão proveitosa aos interesses da Indústria e da Ciência. Com efeito a indústria dos instrumentos de precisão nasceu da Ciência, vive da Ciência, enriquece-se com as suas aplicações: cada descoberta nova não somente acrescenta um ramo novo à indústria existente, como desenvolve também ramos vizinhos numa proporção que nunca será de mais realçar. Se imensos pro-gressos foram conseguidos de há um século a esta parte nas ciências de observação, é à colaboração contínua destes dois grupos que eles se devem; uns aguilhoados pelo amor à Ciência, os outros pelo amor à sua arte e pelo sentimento legítimo dos seus interesses".


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