A Electrostática
de Otto von Guerick a Charles de Coulomb


Pascal Lefebvre

Graças aos seus efeitos espectaculares, a electricidade cativou o público do séc. XVIII. O "Príncipe dos Físicos", o Abade Jean-Antoine Nollet (1700-1770), foi o mais activo propagandista desta moda: as suas Lições de física experimental públicas, ilustradas com numerosas experiências electrostáticas luminosas e barulhentas, entusiasmavam vastos auditórios aristocráticos e burgueses.

Esta "física divertida", que William Watson (1715-1789) difundiu igualmente em Inglaterra, atraiu nume-rosos amadores que se intitulavam "físicos-electrizadores".

O conhecimento dos efeitos electrostáticos vai evoluir ao longo de todo o século XVIII, através de um grande número de investigações experimentais qualitativas que a obra de Coulomb virá coroar, conseguindo fran-quear à disciplina o limiar da ciência moderna.

Já na Antiguidade, Tales de Mileto (625-547 a. C.) tinha observado que o âmbar (em grego élektron) friccionado exercia atracção sobre corpos leves.

Mas será preciso esperar pela publicação do De Magnete (1600) de William Gilbert (1544-1603) para que a distinção entre electricidade e magnetismo fique estabelecida.

Otto von Guerick (1602-1686) inventou, por volta de 1660, o aparelho que iria permitir um grande número de pesquisas posteriores: o primeiro gerador electrostático é, com efeito, descrito na obra Experimenta Nova (1672). Trata-se de uma esfera de enxofre que pode girar em torno de um eixo e que é electrizada pela fricção na mão.

Por volta de 1706, Francis Hauksbee (1666-1713) melhorou a máquina para a Royal Society: utilizou uma esfera de vidro e dotou-a de uma manivela. Discípulo de Boyle, inventou igualmente um modelo utili-zando uma bomba de vazio, com a qual realizou as primeiras investigações sobre as descargas eléctricas nos gases rarefeitos (instrumentos 132 e 133).

Foi, contudo, com o modelo primitivo de Guerick, que os dois teóricos da primeira metade do século XVIII, Gray e Du Fay, realizaram as suas observações. Analisando a propagação da electricidade, o inglês Stephen Gray (1666-1736) tornou patentes as noções de isolador e de condutor e descobriu o fenómeno da influência à distância e o efeito da indução de cargas.

O seu correspondente francês, Charles-François Du Fay (1698-1739) aprofundou as pesquisas sobre as propriedades eléctricas de numerosos materiais e concluiu pela existência de duas espécies diferentes de electricidade, que designou, conforme o material de referência, por "vítrea" ou "resinosa".

Estes contributos teóricos permitiram o desenvolvimento da máquina electrostática cujos órgãos essenciais são um mecanismo de arrastamento (desmultiplicador e manivela), um elemento rotativo roçando sobre almofadas e produzindo electricidade estática e um colector de carga. A partir de 1740 assiste-se a um grande número de aperfeiçoamentos -- os primeiros incidindo sobre o arrastamento mecânico das máquinas -- que são como que uma variação sobre o mesmo tema. A colecção de Coimbra dá uma ideia desta fecundidade (instrumentos 115 a 119). Entre os melhoramentos mais notórios, citamos os modelos de Jesse Ramsden (1735-1780) que desenvolveu a primeira máquina de disco vertical, de Jean-Baptiste Leroy (1720-1800), própria para produzir electricidade quer positiva, quer negativa (1771), de Edward Nairne (1726-1806) com o seu cilindro de vidro (1772), de Martinus van Marum (1750-1837) onde os dois pólos estão materialmente presentes (1776). O apogeu foi atingido em 1785 por John Cuthbertson (1743-1821), com uma máquina de disco duplo com um diâmetro recorde (165 cm).

Um outro aparelho fundamental iria trazer um impulso determinante no estudo da electricidade: a garrafa de Leiden (instrumentos 123 a 126). A descoberta fortuita deste condensador foi feita independentemente por um amador, um pastor da Pomerânia Ewald Georg von Kleist (1700-1748) (Outubro de 1745), e por Peter van Musschenbroek (1692-1761), professor de Física em Leiden, assistido pelo seu aluno Andreas Cunaeus (Janeiro de 1746). Tendo electrizado, por meio de um prego, a água de uma garrafa segura na mão, aproximaram um objecto não isolado, o que produziu uma grande faísca. Quando von Kleist mudou então a garrafa para a outra mão, foi surpreendido por um choque muito violento. Musschenbroek conseguiu obter êxito na experiência pousando a garrafa sobre uma mesa.

Informado, o Abade Nollet baptizou o invento de "garrafa de Leiden" e melhorou a experiência substi-tuindo o líquido por um enchimento de folhas de estanho, de cobre, de ouro e de prata. O médico
londrino John Bevis revestiu a parede exterior com uma folha de estanho, enquanto William Watson (1715-1787) lhe dava a sua forma definitiva revestindo com o mesmo material a sua parede interior
e ligando-a ao condutor central por meio de uma pequena cadeia. A explicação teórica correcta do funcionamento da garrafa de Leiden virá a ser obra do americano Benjamin Franklin (1706-1790). A sua ignorância sobre as teorias em voga, conjunto de hipóteses mecanicistas e metafísicas, permitiu-lhe analisar o problema com total liberdade. Segundo Franklin, a armadura interior e a armadura exterior são electrizadas positiva e negativamente em proporções exactas, equilibrando-se os dois estados. O único erro residia na designação dos sinais que a teoria dos electrões virá corrigir posteriormente: Franklin designava positivamente "um excesso de fluido" e negativamente uma "falta". A experiência da garrafa com duas campainhas (instrumento 124) permitirá a verificação desta teoria.

Franklin iniciara as suas investigações em 1747, multiplicando as suas observações sobre as cadeias de observadores de mão dada e sobre os efeitos dos corpos pontiagudos (instrumento 128). Dando-se conta da analogia destes últimos com os raios, inventou o pára-raios que lhe grangeará o seu título de glória junto do grande público. Thomas-François Dalibard (1703-1779) foi o primeiro a conseguir realizar com êxito a experiência em Marly, em Maio de 1752: quando da passagem de uma nuvem electrizada conseguiu obter uma faísca a partir de uma barra de ferro de 12 m, isolada sobre uma torre e ligada ao solo por um fio. Franklin, por sua vez, verificou-a em Outubro de 1752, utilizando imprudentemente um papagaio de papel. Georg Wilhelm Richmann (1711-1753) imitou-o em 1753 em S. Petersburgo e aí perdeu a vida, tornando-se o primeiro mártir da nova ciência.

Franklin tinha relatado as suas observações nas cartas a Peter Collinson (1793-1768), da Royal Society. Este fê-las publicar a partir de 1751 sob o título Experiments and Observations made at Philadelphia in America by Mr. Benjamin Franklin and communicated in several letters to Mr. P. Collinson of London. O seu êxito foi imediato e deu origem a numerosas traduções. As opiniões que Franklin nelas defendia sobre a natureza da electricidade, a sua teoria do fluido único, envolveram-no numa polémica com o Abade Nollet e os adeptos da hipótese dos dois fluidos, especialmente desenvolvida por Robert Symmer (1707-1763) em 1759 e por Torbern Olaf Bergman (1735-1784) em 1765. Os argumentos apresentados, todavia, foram apenas qualitativos.

A passagem ao quantitativo virá a ser efectivada graças aos trabalhos de Henry Cavendish (1731-1810) e sobretudo de Charles Augustin de Coulomb (1736-1806).

A única memória que Cavendish aceitou publicar em 1771 nas Philosophical Transactions permitiu definir com precisão as duas noções fundamentais da Electrostática: a carga e o potencial. Nelas postulava a lei do inverso do quadrado da distância entre as cargas e daí retirava as consequências matemáticas sobre a sua distribuição superficial.

A primeira memória fundamental de Coulomb sobre a electricidade apareceu em 1785. Tratava-se da construção e do uso de uma balança eléctrica de torção (instrumento 129) que permitia medir forças eléctricas muito pequenas. Até aí as cargas eléctricas eram mais comparadas do que medidas, com o auxílio de diversos modelos de electroscópios e de electrómetros (instrumentos 120-122). O Abade Nollet tinha, desde 1747, assinalado a possibilidade de comparar as cargas eléctricas quer colocando um mos-trador em frente do ângulo formado pelo desvio de dois fios electrizados, quer medindo as distâncias máximas para as quais ocorria a produção de faíscas.

Munido do seu instrumento, Coulomb conseguiu provar que a força de repulsão é directamente proporcional às cargas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que as separa. Rapidamente estendeu a sua lei às forças de atracção, numa segunda memória de 1785.

Seguidamente, nos três trabalhos de 1786 a 1788, Coulomb dedicou-se ao estudo dos problemas da distribuição da electricidade sobre os condutores (instrumentos 130 e 131). Inventou a sua célebre esfera que lhe permitiu estabelecer que "atingido o estado de equilíbrio, a electricidade se distribui à superfície dos corpos e não penetra no seu interior", e fez a demonstração matemática deste princípio.

Graças à sua obra, numerosos efeitos observados ao longo do século encontravam, enfim, uma explicação. Coulomb coroou assim o século estabelecendo as bases da Electrostática experimental e teórica, que os seus sucessores, Siméon-Denis Poisson (1781-1840) e Lord Kelvin (1824-1901), aprofundaram no século XIX.


Índice