Modelo de carro de Constantino Botelho de Lacerda



19.5 x 55 x 26.8
Madeira esculpida e embutida

 CAT. 1824: D.II.33

Outro carro como o de Boulard, só com a differença do seu eixo gyrar sobre tres cylindros moveis para que o attrito seja da segunda especie. Esta addição é do Sr. Constantino Botelho de Lacerda Lobo. ­ Jornal de Coimbra.

Na "Memoria sobre os defeitos, que tem os nossos carros dos transportes militares; modo de os diminuir, e additamento ao da invenção de Boulard", do Doutor Constantino Botelho de Lacerda Lobo, publicada no volume I do Jornal de Coimbra, pode ler-se uma nota dos redactores na qual se afirma que os transportes constituem a alma do exército. Nesta nota é referido um artigo publicado no n.º VII do Investigador Português, de autoria do Marechal General Conde Lippe, onde este afirma que o parque militar deveria ser apetrechado de carretas e carros de artilharia adequados ao transporte de dife- rentes peças.

O Doutor Botelho de Lacerda afirma que o Exército encarregado da defesa de Portugal, comandado pelo "melhor General do Mundo", o "Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquês de Torres Vedras", não podia continuar a somar vitória após vitória se não dispusesse dos transportes adequados.

Devido à escassez de bois, seria desejável que todos os transportes se fizessem com recurso a "bestas muares", tornando-se necessário economizar-lhes o esforço. Uma menor quantidade de bois seria bastante se os carros de transporte não apresentassem tantos defeitos. Os defeitos dos carros militares e, em geral, de todos os veículos destinados ao transporte, contribuíam para a pouca mobilidade, demasiado peso e pouca segurança dos meios de transporte.

A pouca mobilidade era consequência das resistências devidas aos atritos nos eixos dos carros. Sendo estes feitos de madeira, era necessário que tivessem um diâmetro elevado, para lhes conferir suficiente resistência mecânica. O peso elevado das rodas, do eixo e da mesa constituiam outra das desvantagens dos tradicionais carros de transporte. O eixo, de madeira, era excessivamente pesado. A mesa tinha muitas vezes maior peso do que o necessário, já que as tábuas e barrotes de que era feita eram desnecessariamente grossas.

Tradicionalmente, o eixo do carro localizava-se abaixo da mesa, com profundos inconvenientes para a sua estabilidade, já que o centro de gravidade ficava demasiado elevado. O facto de as rodas dos carros terem as cambas estreitas contribuía para a sua fragilidade. Por outro lado, sendo pequena a superfície de contacto com o chão, resultava que os caminhos eram muito deteriorados pelos sulcos abertos durante a sua passagem. Não só os caminhos térreos sofriam danos, mas também as calçadas de pedra eram afectadas, particularmente as que eram feitas de pedras de pequenas dimensões, já que facilmente se enterravam sob a pressão das rodas do carro.

Dos carros existentes em Portugal, o Doutor Botelho de Lacerda considerava os de Lisboa como os de pior qualidade. Compunham-se de um cabeçalho com um comprimento de doze palmos; uma mesa de seis palmos de largura e onze de comprimento. As suas rodas tinham cerca de cinco palmos de diâmetro. A sua espessura diminuía do eixo para a periferia. Para além de as suas cambas serem estreitas, toda a sua superfície era coberta de chapas de ferro, com pregos de grande cabeça, tornando-a muito desigual. A mesa do carro apoiava-se sobre o eixo através de duas chumaceiras com uma altura superior a dois palmos. Desta forma o centro de gravidade do carro estaria muito acima do seu eixo, dando origem a uma deficiente estabilidade do conjunto.

Como consequência do seu estudo, o Doutor Botelho de Lacerda apresentou na Academia de Ciências de Lisboa uma Memória, em Maio de 1806, na qual sugere as convenientes alterações dos carros de transporte. Assim, para aumentar a mobilidade dos carros, sugeria que as rodas tivessem maior diâmetro, facilitando assim a transposição de obstáculos. Estas deveriam apresentar cambas largas, cobertas com chapas de ferro, de maneira que toda a superfície fosse lisa. Cada roda deveria ter o seu eixo girando sobre cilindros como se fossem rolamentos, o que permitiria diminuir substancialmente o atrito entre as rodas e o eixo. Para diminuir o peso do carro, as rodas não deveriam ser maciças, mas possuir raios com espessura suficiente, os quais, saindo de um corpo cilíndrico junto ao eixo, fariam a ligação com as cambas. Não seria necessário que a mesa do carro fosse feita de tábuas grossas e barrotes, bastando somente que toda a madeira tivesse a consistência necessária para suportar o peso da carga do carro. Finalmente, para aumentar a estabilidade do carro, a mesa deveria ser montada de modo a ficar abaixo do nível do eixo das rodas, o que se conseguia mudando a posição dos rolamentos para a parte superior.

Lobo, Constantino Botelho de Lacerda, "Memória sobre os defeitos, que tem os nossos carros de transportes militares; modo de os diminuir e additamento ao da invenção de Boulard", Jornal de Coimbra, 1812, vol I, p. 329, Figs. 1, 2 e 3.


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